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Olhando Para Dentro 1930-1960 (Bruno Cardoso Reis) (Em História Política Contemporânea, Portugal 1808-2000, Maphre - nota...

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sábado, 20 de abril de 2024

O Benfica e o Circo

 

O Benfica e o Circo



Apesar da fantástica época anterior e dos muitos milhões investidos em jogadores, a presente época, prestes a terminar, contra todas as expetativas, revelou-se um rotundo fracasso para o clube.


Surpreendentemente, com as saídas de Grimaldo e de Gonçalo Ramos, a equipa perdeu a dinâmica que a caracterizara e a capacidade concretizadora, realidade confrangedora que perdura e, tudo indica, perdurará até final da época.


O enorme esforço da Direção para compensar aquelas saídas e melhorar a competitividade da equipa, revelou-se infrutífero.


Na baliza, com a contratação de Trubin, pretendeu-se eliminar as deficiências no jogo aéreo, nas saídas e no jogo de pés reveladas pelo Odysseias; depois de um início promissor, a realidade nua e crua, hoje, é que não há melhorias em nenhuma dessas valências.


Para colmatar a falta de Grimaldo contratou-se Risic, Jurasek, Lhorant e, por último, o Alvarez; ainda om boas expetativas relativamente a este, todos os outros se revelaram rotundos fracassos.


Com fama de goleador chegou, de Itália, Artur Cabral. Recuperada a forma física, as qualidades que foi demonstrando, de força, remate e cabeceamento, não convenceram o Treinador, que, esporadicamente, o foi utilizando.


Do Santos veio Leonardo, rápido, rematador, determinado, com sentido de baliza. Apesar de concretizador nos jogos iniciais, foi também remetido para o banco de suplentes.


Tengstedt, rápido e laborioso, que transitara da época anterior, foi-se definindo como aposta preferencial, apesar de fraca capacidade concretizadora demonstrada.


Também de Itália veio mágico Di Maria, jogador que todos - no Benfica - adoramos, e que se afirmou como peça fundamental da equipa.

Apesar do, aparentemente indiscutível bom plantel, no final da época a equipa revela os defeitos que tinha no início.


Uma equipa incapaz de aprender com os próprios erros, não tem sustentação para aspirar a grandes feitos.


Na baliza permanecem as lacunas já apontadas, no jogo aéreo - as fatais defesas para a frente da baliza -, nas saídas e no jogo com os pés.


Incompreensivelmente continua a insistir-se no relançamento do jogo a partir da baliza na zona da área, com passes laterais, algo que já provocou graves dissabores à equipa, sem que tal refletisse qualquer alteração no processo.


Na esquerda defensiva, prevaleceu a aposta na adaptação de Aursness, sempre generoso mas sem a rotina do lugar, perdendo-se um extraordinário elemento para a zona central do meio-campo.


Na frente apostou-se nos avançados móveis; na velocidade de Rafa, na mobilidade de Tengstedt e no génio de Di Maria.


Acima de tudo, nota-se uma tremenda falta de articulação dos vários setores; indisciplina na ocupação dos espaços e dinâmica coletiva coerente.


Há dificuldade em jogar pelas alas, e quando ocorre algum lance junto há linha final, não há gente na área para finalizar. Isto foi assim desde o início da época!


Frequentes passes falhados, falta de intensidade na disputa dos lances, reação passiva à perda de bola, sobretudo no processo ofensivo, ausência quase total de meia-distância e jogo aéreo, apesar de inegáveis períodos de bom futebol, conferem à equipa uma irregularidade, que é a sua imagem de marca esta época.


Roger Schmidt, pessoa admirável no trato, educado, cordial, hostilizado pelos tradicionais comentadores da praça desde o início, tem revelado aversão à mudança, incapacidade de ler e intervir no jogo no momento próprio, incapacidade de perceber e motivar os seus jogadores.


Por outro lado, a Direção não se poupou a esforços financeiros, mas não foi capaz de fazer as escolhas certas. Sabe-se hoje que Grimaldo teria ficado se os seus anseios tivessem tido acolhimento. E teria valido a pena.


Pelo meio, prescindiu-se do contributo de um jogador possante, talhado para os grandes jogos, que fazia golos com os dois pés e com a cabeça, Musa.


De tudo isto mais o que se observa na BTV, o Benfica, às vezes, parece-me uma feira de vaidades, uma espécie de circo, onde a palavra de ordem é comemorar e festejar o passado, onde há demasiados protagonistas fascinados com a proximidade às estruturas do clube, incapazes de fazer análise crítica, excessivamente preocupados em enjoativos encómios ao poder do momento.


Na vertente institucional, o pedantismo emerge da postura de sistemático silêncio, face às arbitrariedades das equipas de arbitragem, dos Conselhos de Justiça e Disciplina, da Liga, da Federação e até de alguns governos; não sei se por medo se por patético sentido de responsabilidade de defesa do futebol português.


O certo é que ninguém consentiria que o clube beneficiasse das facilidades que têm sido concedidas ao Sporting!


Estando no horizonte a centralização dos direitos desportivos, com envolvimento direto do governo anterior, não tenho dúvidas de que, as manobras de desvalorização do clube irão intensificar-se, com o propósito de reduzir a “fatia do bolo” a atribuir ao Benfica.


Afinal, é o que tem acontecido, pelo menos desde os anos oitenta, e ainda recentemente, com os contratos com a MEO, onde Sporting e Porto, mais uma vez, com recurso a subterfúgios patéticos, faturaram mais que o clube encarnado.


O futuro do Benfica constrói-se com inteligência e firmeza, com correção mas sem medo do confronto, com o trabalho e o talento de todos, com menos festas e devaneios dionisíacos, com mais “caldeira e menos bandeira”.


E quem não pode, arreia!




Peniche, 20 de Abril de 2024

António Barreto


domingo, 3 de março de 2024

O Fracasso do 25 de Abril

 

O Fracasso do 25 de Abril


Salvo um ou outro caso, os candidatos a Primeiro Ministro para as eleições de dez de Março, são um desastre; uns, desacreditados por cinquenta anos de envolvimento governativo do respetivo partido, outros, por um ativismo ideológico persistente, insano, de rua, corporativo, étnico, induzindo roturas económicas, sociais, culturais e identitárias.


Em cinquenta anos de pseudo-democracia, depois da turbulência comunista dos primeiros tempos, da penúria subsequente, da expansão económica pós adesão à CEE, assistimos, desde a entrada no euro, ao empobrecimento relativo do país, asfixiado em impostos e corrupção, carente de ideias de desenvolvimento económico, de tolerância política e social, de diálogo franco, de liberdade plena, cujo povo se resignou ao alastramento da pobreza e aos despudorados privilégios da nova classe política.


Alguns atuais “notáveis”, tal como os aristocratas absolutistas e os obscuros eclesiastas, dum passado não muito remoto, já se consideram, e às respetivas famílias, detentores duma legitimidade sobrenatural, que todos devemos aceitar em nome do divino “desígnio”.


Não há, nem nunca houve unanimidade quanto ao 25 de abril. Demasiada gente sofreu, e ainda sofre, com os acontecimentos subsequentes. Gente que não pode, não deve, não devia, ser ou ter sido ignorada.


Há uma ferida, uma chaga na sociedade portuguesa, uma dor de consciência, surda, amordaçada, amedrontada, mas avassaladora, que ficará para a História como uma grande mancha de ingratidão e cobardia para com todos os que foram perseguidos, expulsos, abandonados, espoliados, torturados, presos, agredidos e assassinados.


Sem justiça, não há, não haverá reconciliação.


Tudo isso foi subalternizado, justificado como inevitável consequência do derrube do “fascismo”, e até como castigo das vítimas pelo alegado envolvimento - ou complacência -, com o anterior regime.


A ocultação da realidade não a suprime, nem às suas consequências.


Em abril de 74, uma espécie de embriaguêz inundou o espaço público dominado pelos novos protagonistas, regressados, como heróis, dos seus exílios dourados, contagiando a população.


Tudo foi prometido, tudo era possível!


“A paz, o pão, saúde, habitação”, “ O Povo é quem mais ordena”, o “Direito à indignação”,...etc., etc..


Uma onda de esperança varreu o país de lés a lés e contagiou grande parte da população. Eu acreditei!


A outra parte, calou-se com medo de ser ver privada do fruto de décadas do trabalho abnegado, à vezes arriscado, duma vida sóbria e austera, com que contava para salvaguarda do seu futuro e dos seus filhos.


Tudo foi prometido, mas tudo foi posto em causa. Ninguém estava seguro!


Uma falsa paz, uma paz podre, sobreveio à malfadada guerra colonial.


Cinquenta anos depois, ante a desilusão dos atuais candidatos à liderança do Governo, pergunto-me o que sucedeu aos homens - e mulheres - bons.


Porque não aparece, na esfera partidária, gente culta, competente, tolerante, com história de vida reconhecida pela comunidade, dedicada ao interesse geral, ao progresso económico e social e pacificação do país?


Não falta, em Portugal, gente para o efeito, porém, paradoxalmente, algo de perverso sucedeu que os mantém afastados da esfera da governação.


Antes de mais. No âmbito dos partidos, o critério da lealdade política prevalece sobre qualquer outro.


Gente digna não está disposta a sujeitar-se aos enxovalhos do quotidiano político, à devassa da vida privada, aos “assassinatos reputacionais” e à exposição pública das respetivas famílias.


Quando um regime político não tem o talento de atrair os melhores à causa pública.


Quando um regime político permite que determinados partidos se arroguem de legitimidade outra que não a democrática.


Quando um regime político, incapaz de assumir as suas incapacidades, se conforma com a pobreza e ameaça os cidadãos da espoliação dos seus bens, considerando-os, implicitamente, roubados.


Quando um regime político sobrevive à custa de fundos comunitários, de endividamento - cativação de rendimentos futuros - e de impostos exacerbados, insaciável, prometendo sempre o que sabe que não pode cumprir, é porque falhou.


E quando tal sucede reiteradamente, é porque algo de muito errado se verifica na sociedade portuguesa, ou na natureza da própria democracia.


Talvez haja falta de cultura democrática na comunidade em geral e na classe política em especial.


Cultura democrática: a capacidade de respeitar o outro.


Talvez algo tenha que mudar na arquitetura da democracia para evitar que uma corja de meliantes tome conta dos destinos da Nação em proveito próprio.


Talvez a lei eleitoral deva ser modificada para evitar a morte da democracia e das liberdade.


Talvez seja o tempo de os “homens bons”, os que, silenciosamente, com talento e abnegação, mantêm o país vivo, se fazerem ouvir.


Talvez seja o tempo de a “boa moeda afastar a má moeda”.


Os bolcheviques lsusitanos

Peniche, 03 de Março de 2024

António Barreto

domingo, 11 de fevereiro de 2024

Macaquices no Reino de Lilipute

 

Macaquices no Reino de Lilipute


Rezam as crónicas do burgo imaginário, que um tal “macaco” foi detido pelas autoridades locais para averiguações, na sequência dos incidentes ocorridos na cerimónia de apresentação das candidaturas à presidência do clube local de tiro ao arco, o célebre Protossáurio alado.


Pirolasséx, o célebre chefe da macacada, já não conseguia disfarçar a fraca penugem das, outrora, possantes asas, nem a progressiva perda de olfato e do efemento sonar que o tornaram célebre num passado já longínquo.


Vylannosaurus, que, durante muitas luas, viajara por distantes paragens, regressara, de penugem farta e reluzente, disposto a disputar o ceptro por que ansiava desde o momento da partida.


O destino chamava-o, anunciando-lhe o fulgurante trilho das estrelas, todos os gloriosos feitos que o tornarão inesquecido, até ao fim dos tempos, no reino Protossáurio.


“Macaco”, na verdade um jovem brachiosaurus, que todos pareciam temer, não podia consentir na queda de Pirolassex, receoso da emergência de uma inssureição e do termo do seu domínio.


Foi então que, seguro da sua histórica impunidade, solenemente, publicamene, prometeu devorar todos aqueles e aquelas que apoiassem Vylannosaurus, o herege, que se recusara a obedecer ao velho Pirolaséx, ameaçando-o de solitário desterro.


Staurikosaurus, o chede dos polícias de todos os saurus, desta vez não podia ignorar tal afronta à autoridade do reino de Lilipute.


Lilipute, sim, era um pequeno e inofensivo reino onde os liliputianos mais ilustres podiam enriquecer sem se esforçarem muito e sem sentirem grandes constrangimentos morais ou éticos.


Para bem de toda a nação era necessário salvaguardar a pureza das instituções. Por isso brachiosaurus tinha que ser detido para averiguações e, quem sabe, levado a Tribunal.


Staurikosaurus sabia que tinha errado, que fora complacente com brachiosaurus demasiado tempo, sabia que tal contribuíra para os graves incidentes do momento, sabia que podiam ter-se evitado outros casos igualmente graves que ocorreram, por efeito de contágio, noutras paragens do reino.


Staurikosaurus temia pelo seu futuro, pelo seu sossego e da sua família, mas, desta vez tinha que agir, tinha que mostrar a todos os liliputianos que podiam confiar nele. Braquiosauros tinha que ser punido exemplarmente!


Bem vivido, Staurikosauros aprendera com Stegosaurus, o sábio, companheiro de velhas e indizíveis lides, que o tempo tudo remedeia.


Agora que os cidadãos estavam confiantes na implacabilidade da justiça de Lilipute, bastava deixar correr o processo, deixar rolar a justiça, descobrir atenuantes e testemunhos abonatórios.


Afinal Braquiosaurus era o rosto da seleção nacional de tiro ao arco, como disse alguém, e tem à sua ordem um grupo de amigos de Lilipute, com enorme capacidade dissuasora.


Demonstrar-se-á a gratidão da Pátria liliputiana a quem tanto se empenhou no seu engrandecimento, fosse ele qual fosse.


Mais tarde ou mais cedo, será possível encerrar o episódio e, quem sabe, talvez até com um louvor como o que recentemente se fez ao Relocicraptor, cujos patrióticos feitos o livraram das penas do encarceramentto.


No final, Pirolasséx não deixará de mostrar a sua gratidão.


Lilipute voltará a ser o que sempre foi; um país de pigmeus.



Peniche, 11 de Fevereiro de 2024

António Barreto

domingo, 21 de janeiro de 2024

Mouzinho da Silveira

                                                        Mouzinho da Silveira


José Xavier Mouzinho da Silveira nasceu no Alentejo, em Castelo de Vide, em 1870, e faleceu em Lisboa, em 1848. Por sua vontade expressa foi sepultado na aldeia do Gavião, onde foi erigido um pequeno monumento em 1875, graças a subscrição particular.


Agricultor, industrial, jurista, funcionário régio, ministro, juiz de fora, provedor político maçon, Mouzinho da Silveira foi um homem culto, controverso pela sua independência e frontalidade. Muito próximo de D. João VI e de D. Pedro IV -, abominou, denunciou e combateu o despotismo foi fervoroso apoiante da Carta Constitucional e de D. Maria II.


Iberista, Silveira considerava que D. Pedro IV tinhas as características necessárias à liderança da união de Portugal e Espanha. Via nele um “napoleão” e defendeu, como muitos outros, o seu regresso a Portugal.


Surpreendentemente, face à doutrina ocidental atual, Mouzinho considerava a democracia, despótica; a ditadura das massas, ideia desenvolvida posteriormente por Ortega e Gasset.


A ele se devem as mais profundas reformas institucionais do Antigo Regime - a monarquia absolutista -o que fez dele um dos mais importantes legisladores oitocentista português. Constitucional em 1820, foi deputado em 1826 exilando-se com a subida ao trono de D. Miguel.


Crítico feroz do Antigo Regime, teve breve simpatia pelos invasor francês. Acérrimo defensor da monarquia constitucional - lutou por ela junto de D. Pedro IV, mas, paradoxalmente, foi ministro de D. Miguel, na sequência da Vila-Francada.


Participou no cerco do Porto - como ministro das finanças -, esteve preso no Castelo de S. Jorge - na sequência do golpe ultra-realista da Abrilada - exilou-se em Paris, passou mal e morreu pobre - apesar de proprietário agrícola e industrial de cortumes -, ignorado pelo Estado apesar dos inestimáveis serviços.


Era convictamente monárquico; reconhecia na figura do Rei inigualável capacidade agregadora da nação ao Rei poder moderador da sociedade, mas limitado constitucionalmente.


Inspirado em Montesquieu defendeu a separação dpoderes - legislativo, executivo, judicial e religioso (o clero era, então, remunerado pelo Estado!) - e o bi-parlamentarismo, constituído pelas câmaras dos representantes e dos pares.


Representantes eleitos - por sufrágio condicionado - e os pares, escolhidos pelo rei, entre a aristocracia e o clero - de transmissão hereditária.


Esperou de D. João VI a Carta Constitucional, finalmente elaborada por D. Pedro IV a partir da Constituição brasileira.


Carta que foi a causa da guerra civil de 1832 a 1834 - entre liberais e absolutistas -, e do posterior levantamento que ficou conhecido por Setembrismo, cujos membros consideravam ilegítima por não ter sido e discutida e aprovada na Câmara dos Representantes.


Defendeu a liberalização da economia elaborando leis de desamortização - privatização - de bens régios, de expropriação e venda de propriedades agrícolas da aristocracia e do clero - mediante indemnização dos respetivos proprietários -, da atribuição dos bens de mão-morta ao familiar mais próximo do proprietário falecido - em vez da entrega automática à coroa - e da privatização dos baldios.


O seu propósito era o de tornar produtivos os terrenos agrícolas sub-aproveitados ou abandonados, entregando-os a quem tivesse interesse e capacidade para os cultivar.


Mouzinho não se conformava com as práticas da Aristocracia e clero que gastavam, em bens supérfluos e hábitos sumptuários, as rendas provenientes das concessões régias - tenças, comendas, capelas, morgadios, congruasdízimos, pé-de-altar, etc., desinteressando-se da exploração das respetivas propriedades.


Por outro lado quis dar dono às terras comuns por razões semelhantes; constatava que as terras sem dono eram improdutivas, realidade que considerava imperioso inverter, vendendo-as a quem tivesse capacidade de as explorar.


Sem receitas garantidas, restava aos proprietários empenharem-se no desenvolvimento das respetivas explorações. O aumento da produção traria ganhos económicos e consequentemente, demográficos. Garantiria o povoamento do território aumento das exportações e o incremento das receitas públicas.


Confiantes na inevitabilidade do progresso e na sensatez dos dirigentes atuais, assistimos, impotentes, ao desmantelamento das economias locais, consideradas de baixos salários, ao despovoamento do território e a todo um cortejo de infelicidades individuais e coletivas.


O conceito de produtividade deve ser abrangente - identificando o contributo de cada setor para a produtividade geral - e indissociado da liberdade individual; o direito de cada um fazer o que o torna feliz, sem desrespeitar a comunidade.


Leal, incorruptível, vinculado ao interesse nacional, Mouzinho da Silveira preocupou-se com a corrupção, preconizando a profissionalização do funcionalismo e o fim dos emolumentos.


Considerava que a dedicação exclusiva e os bons salários dos funcionários desincentivariam a corrupção, direta ou indireta - esta relacionada com o abuso dos custos dos atos administrativos - emolumentos - em proveito dos respetivos autores.


Exemplo de ética política, opôs-se à segregação de adversários e inimigos, defendeu o recrutamento dos mais qualificados para os cargos públicos.


Quase um século depois, a tragédia da corrupção continua bem viva, e, em Portugal, “normalizada”; a maioria dos altos cargos públicos são atribuídos em função da confiança política do partido vencedor sem olhar a critérios de competência técnica.


Silveira trouxe uma nova perspetiva sobre a metáfora - ainda muito atual - dos “Velhos do Restelo”; o símbolo luso do ceticismo e do imobilismo; os que, nos séculos XV e XVI lamentavam a aventura marítima lusa, augurando, em consequência, um futuro trágico para Portugal.


A mobilização de recursos, de capital e humanos, para a epopeia dos Descobrimentos, conduzira ao desinvestimento interno e à cultura rentista. De facto, o grosso da riqueza pública da época era proveniente de taxas portuárias e alfandegárias.

Igual padrão repete-se nos dias de hoje relativamente à União Europeia, donde brotam os abundantes e, aparentemente infindáveis, fundos comunitários, desmobilizadores do investimento nos recursos internos do país.


Constata-se, com alguma surpresa, que, muitas das preocupações de Mouzinho da Silveira, permanecem atuais, apesar das transformações políticas, sociais e culturais ocorridas em cerca de duzentos anosa corrupção, o nepotismo, as rendas, os privilégios, o despovoamento, a radicalização política, a demagogia, enfim, os privilégios das novas castas, etc.


Não é possível compreender o Portugal de hoje, sem conhecer as grandes transformações, políticas, económicas e sociais ocorridas do século XIX, consequência do turbilhão que se seguiu à Revolução francesa, em toda a Europa.


A Guerra Peninsular teve influência decisiva na modernização das instituições e no fim do império colonial português.


Créditos a “Mouzinho da Silveira, Pensamento e Acção Política”, de Miriam Halpern Pereira; obra da Coleção Parlamento.

Mouzinho da Silveira

Peniche, 21 de Janeiro de 2023

António Barreto

sexta-feira, 24 de novembro de 2023

Jaime Neves e o 25 de Novembro

 

Jaime Neves e o 25 de Novembro

     
   Eanes, o homem que gosta das pessoas e suscita lealdades, é o chefe do Comando Operacional do 25 de Novembro. Neves é o chefe operacional.

      Graças ao DL 577-A/75, do Governo de Pinheiro de Azevedo, Jaime Neves integrou no Regimento de Comandos da Amadora (RCA), onde predominam oficiais do curso de 53/57 da Academia Militar, cerca de 300 veteranos constituindo duas companhias; uma sob comando de Sousa Gonçalves - da 2ªCCMDS - a outra comandada por Sampaio Faria - da 3ª CCMDS. Na reserva ficaram outras duas.
      Concentrando o ódio da esquerda totalitária, em especial do MRPP, o RCA é alvo de ataques da RTP e da EN bem como de frequentes manifestações junto ao quartel, chegando a Somague a tentar impedir a saída de viaturas. Militarmente isolados na grande Lisboa, o RCA conta com o apoio de ex-comandos fortemente organizados e espalhados pelo país, bem como do apoio político de Pires Veloso, do Cónego Melo, do Partido Socialista e da Igreja. No plano operacional, o RCA conta com quatro companhias no Norte; Braga, Vila Real, Lamego e Porto; duas do Centro e o Regimento de Cavalaria de Estremoz - o regimento de Spínola. O maior apoio porém é o que sentem por parte da designada maioria silenciosa.
      A Ordem de Operações, uma guerra civil, segundo o seu autor, Ramalho Eanes, é apresentada por este, acompanhado por Rocha Vieira, ao General Costa Gomes. Na ausência de Eanes, a planeada distribuição de armas é efetuada principalmente ao Partido Socialista através de Edmundo Pedro e Manuel Alegre por Galvão de Figueiredo, sob ordem de Tomé Pinto, tendo Eanes assumido a responsabilidade enquanto chefe do Comando Operacional.
      Os principais objetivos dos militares democratas são; o quartel da força aérea de Monsanto, a Polícia Militar e outros na calçada da ajuda, o COPCON no Forte do Alto Duque em Belém, e os paraquedistas de Tancos. A unidade de Monsanto não ofereceu resistência aos homens de Neves. Foi na Calçada da Ajuda que os cerca de trezentos comandos, agrupados em três companhias, enfrentam mais de dois mil militares; a de Jaime Neves, acabado de ser promovido a tenente-coronel, que sobe a calçada de chaimite, a 113ª do capitão Manuel Apolinário, que entra na calçada pelo lado esquerdo, e a 112ª do capitão António Lourenço, que desce a calçada.
      Pelas oito horas do dia 26 de Novembro, a chaimite de Neves, onde vão Ribeiro da Fonseca, Arnaldo Cruz e Vitor Ribeiro, inicia a progressão na Calçada da Ajuda, rebentando subitamente sobre ela uma trovoada de tiros vindos de todos os lados; do quartel e das casas particulares à esquerda. Há confusão de gritos, tiros e correrias, Neves, com meio corpo de fora da viatura, via rádio, dá ordens aos seus homens para não responderem ao fogo. José Eduardo Oliveira Coimbra vindo do cimo da calçada com a 112ª é atingido em cheio na crossa da aorta, acabando por morrer no Hospital Militar de Infectocontagiosas. Na CCMDS 113ª o furriel Joaquim dos Santos Pires é morto pelo fogo de metralhadora proveniente do Regimento de Cavalaria 7, frente ao quartel da Polícia Militar. Obedecendo à ordem de contenção, os comandos cercam o quartel da PM conseguindo posição de domínio. Do lado contrário é morto o aspirante Ascenso Bagagem. Neves avança de chaimite e derruba o portão de Lanceiros 2, tomando o quartel sem um tiro. Na frente da formatura na parada dos militares derrotados ordenada por Jaime Neves está Mário Tomé, que revelou honra na derrota. Quanto ao comandante da unidade, que revelara grande bravura na Guiné, ter-se-á refugiado debaixo de uma secretária, segundo Tomé. Ás três horas termina a operação, seguindo-se a passagem de passaportes aos militares derrotados, tendo ficado no comando do quartel da Polícia Militar, o bracarense Jaime Abreu Cardoso, figura lendária entre os comandos.
      Ao terceiro dia, a 112ª Companhia de Comandos cerca o Forte do Alto do Duque com o objetivo de prender Otelo e todo o Copcon. Mas foi Eanes que, surgindo com um grupo armado, levou Otelo, recusando-se a prendê-lo, contrariamente à exigência deste. No quartel apenas havia alguns fuzileiros, que incitavam à acção, e alguns oficiais. 
     
A maior preocupação porém era com a sublevada tropa especial de paraquedistas de Tancos, liderados pelo major Mascarenhas Pessoa, dos quais se esperava forte reação. Tal não viria a ocorrer graças a uma inteligente manobra administrativa do Chefe de Estado Maior da Força Aérea, general graduado Morais e Silva que proíbe o fornecimento de alimentação, atribuição de verbas e qualquer tipo de apoio aos militares sublevados, desmoralizando-os, até porque boa parte deles são instruendos. A recusa de apoio aos paraquedistas por parte de Heitor Almendra, a alma mater dos paras, conterrâneo e amigo de Neves, acabado de regressar de Angola com centenas de paraquedistas, que despreza Mascarenhas pessoa, desativaria em definitivo a sublevação dos boinas verdes.

      Ao fim de quatro dias, os principais suportes militares do PREC estão dominados e Jaime Neves, com os pés em chaga, pode então descalçar as botas e caminhar para a posteridade.
      Para Jaime Neves, o 25 de Novembro foi um contragolpe na extrema-esquerda e nos comunistas de Cunhal. Porém, a fragilidade de oposição do PCP alimenta a suposição de que a principal intenção de Cunhal, Pato, Lourenço e companhia, consistia na entrega das províncias ultramarinas à órbita soviética através do “internacionalismo proletário”. Angola, com as manobras de Rosa Coutinho, a independência e o MPLA no poder duas semanas antes do 25 de Novembro parece comprová-lo.
     
Duas das consequências do 25 de Novembro foram o fim da oclocracia e a eleição de Ramalho Eanes para a Presidência da República; o primeiro democraticamente eleito, com o apoio de Jaime Neves, que participa na sua campanha. Este não tem apetência pela atividade política e recusa-a, considerando os políticos, tal como Torga - seu conterrâneo - “papagaios insinceros”. Confia na intransigência da defesa da democracia do seu amigo e camarada Eanes, cujo caráter conhece, por isso o apoia.


      Formalmente, é o “Documento dos Nove”, elaborado por Melo Antunes, considerado por Ramalho Eanes e muitos outros “ o pai da Democracia em Portugal” que põe termo ao PREC. Um documento que evita a aniquilação do PCP constituindo simultaneamente um aviso à extrema-direita. Jaime Neves, contrariamente ao que foi difundido, não quer “dar cabo” do PCP nem da Intersindical, não se coibindo porém de criticar ambos. Apesar de tudo, Neves não está satisfeito; quer deitar a mão aos lideres do PREC e “no mínimo, expulsá-los de Portugal”, nunca, encostá-los ao “paredón”.
     
Efetuadas as comoventes honras militares aos falecidos furriel Pires e tenente Coimbra, os seus funerais são sentidos pelo Povo. No de José Coimbra, tripeiro da rua de Santo Ildefonso, milhares de pessoas inundaram a ponte D. Luis, que parece ter tremido com a carga humana. Jaime Neves fica com a sua kalashnikof.

Sintetizado de "Jaime Neves, Homem de Guerra e Boémio" da autoria de Rui Azevedo Teixeira, editado pela Bertrand 

Jaime Neves e o PREC

 

Jaime Neves e o PREC (6)

      
      A primeira etapa do PREC desenvolve-se até ao 28 de Setembro durante a presidência de António de Spínola; a segunda vai até princípios de Agosto de 1975 e caracterizou-se pelas nacionalizações e reforma agrária, comandadas pelo PCP, que controlava organismos do Estado, refreadas pela reação do povo nortenho a partir de março com a vaga anticomunista. Por fim, a terceira e última fase que culminou no 25 de Novembro graças à oposição de alguns oficiais do MFA à insanidade revolucionária comunista.
 
      Neste período, Jaime Neves, ao serviço da Academia Militar, desenvolve várias ações, entre as quais a recolha de quarenta revolveres no Ministério da Economia, a dissuasão de alguns soldados da Guarda Nacional Republicana que, num ato de sublevação na cadeia do Linhó, se recusavam a içar a Bandeira Nacional; de uma outra vez, na mesma cadeia, pela persuasão da fama que o precede e do seu estilo simples e franco, com recurso a uma palestra em cima de uma mesa, põe termo ao motim que os cadastrados de alto coturno recentemente oriundos do Limoeiro tinham provocado. No caso do capitão cubano Peralta feito prisioneiro na Guiné e internado no Hospital Militar, cuja proteção contra rapto, que se receava por parte de ativistas de esquerda, lhe foi ordenada por Costa Gomes, então Presidente da República, Neves exigiu-lhe uma ordem escrita por conhecer e não “perdoar” o seu habitual “contorcionismo”.
      Injustamente Neves considerava Spínola um cobarde pelo facto de, no 11 de Março conhecido por “Matança da Páscoa”, ter fugido pelas traseiras do Palácio de Belém enquanto ele e os chefes da GNR e da PSP aguardavam no mesmo edifício ordens de avançar contra quem se supunha preparar o aniquilamento dos spinolistas; elementos da Aginter liderados por Guérin-Sérac.
      As ações sucedem-se, bizarras e quase ininterruptas, desde a prestação de socorro a polícias cercados em esquadras até ao ordenamento de filas para o cinema.
      Em Outubro Jaime Neves e o major Florindo Morais vão a Moçambique cujo Alto Comissário era então Vitor Alves - com a alcunha de garrafão -, buscar as Companhias de Comandos 20-43ª e 20-45ª que, em Lourenço Marques, se tinham envolvido em confrontos graves com os guerrilheiros da Frelimo, recusando-se porém a trazê-los sob prisão, intenção inicial de Costa Gomes, o que fazem com sucesso graças à estratégia de Neves de os conduzir ao Centro de Instrução de Comandos em Luanda, onde tinham feito o seu treino, para uma breve estadia apaziguadora antes do regresso a Lisboa onde passaram à disponibilidade.
      Os Comandos nasceram na guerra e para a guerra, contrariamente aos Fuzileiros e aos Paraquedistas, que já existiam antes de 1961, e são os que mais feitos têm de combate, mais armas capturadas, mais guerrilheiros abatidos e mais bases destruídas, do que qualquer outra tropa especial, e talvez até do que toda a tropa normal. Entre 1961 e 1974, cerca de oito mil comandos - um centésimo da tropa portuguesa total - fizeram a guerra de África; na qual morreram trezentos e sessenta, desapareceram trinta, e foram feridos, a maioria sem um pé, oitocentos. Nos seus cinquenta anos de vida, os Comandos são, desde 29 de Junho de 2012, a unidade mais condecorada de sempre do Exército Português. Terá sido esta guerra a mais brilhante nos quatrocentos anos de existência daquele corpo militar desde Schomberg? Quem herdará as condecorações do Centro de Tropas Comando após a sua extinção?
      Os comandos são voluntários, vêm de todo o território imperial, desde Minho a Timor, pretos, brancos, mulatos e amarelos, materializam a “sociedade multirracial” de Salazar, oferecem-se por puro idealismo patriótico e imperial, pelo desejo de aventura, por um desgosto de amor, por quererem fazer a guerra a sério, por terem lido Camões, Junger, Hemingway, Laterguy, por terem visto filmes como “O Último Comboio do Katanga”; outros procuram o suicídio heroico ou redentor ou a auto-demonstração de bravura.
      Abreu Cardozo, Almeida Bruno, Marcelino da Mata, Jaime Neves, Folques, Matos Gomes, Ferreira da Silva, Lobato Faria ou Chung, são alguns dos maiores comandos; homens casados com a guerra, que, como muitos outros comandos milicianos, lembram o português do século XV e XVI, temido no hemisfério sul e invejado pelos europeus, que o descreviam como “orgulhoso, duro, fechado, algo sinistro”. São os últimos heróis portugueses, heróis tristes a quem foi negada a mitificação da derrota, porque simplesmente a não houve. A ficção portuguesa parece ter medo destas figuras, quem sabe por castradores motivos políticos, ou simplesmente porque na sua claustrofobia, no seu minúsculo pedestal burguês e intelectual, os ficcionistas nem sequer os conhecem de outiva.
      Depois de combaterem os guerrilheiros em África, razão da sua fundação por Santos e Castro, os Comandos, miscelânea de militares do exército, incluindo as duas companhias regressadas de Moçambique, são recriados por Jaime Neves, constituindo o Regimento de Comandos da Amadora, que virá a ter uma ação decisiva no fim do PREC, esse período alucinatório em que muitos confundem História com histeria. Atuam contra manifestações e greves, uma delas a grande greve da TAP, cuja bandalheira a torna internacionalmente conhecida por Take Another Plane. Mais tarde, já derrotados, alguns grupos  dessa esquerda furiosa e infantilizada de que se destaca o MRPP onde militava gente como Durão Barroso, Ana Gomes ou Maria José Morgado - com quem o gadamaelense Manuel Ferreira da Silva tivera um béguin em Luanda -, tentam vingar-se cobardemente contra a família de Neves.
      Quase quarenta anos depois, o Capitão Chung não consegue perceber quem, próximo do 25 de Abril de 1975, esteve por trás da ação saneadora promovida pelo Capitão Marques Patrocínio, e outros indivíduos de pequeno estatuto, que afastou durante algum tempo do Regimento de Comandos da Amadora,vários oficiais, entre os quais, o seu comandante Jaime Neves e ele próprio. Um dos conjurados confessaria mais tarde,a Neves ter recebido de Cunhal, para si e sua família, a promessa de pagamento fora do país, o que ajudaria aquele a formar a convicção da influência do PCP neste episódio. A chegada a Lisboa da 6ª esquadra americana por essa ocasião proporcionou o boato de que Jaime Neves estaria a preparar um golpe à Pinochet, daí o saneamento. Num volte-face dramático num plenário do Regimento realizado a 4 de Agosto, Otelo Saraiva de Carvalho, que havia anuído ao saneamento, devolve o comando a Jaime Neves, tendo sido presos os conjurados, a maioria dos quais acabou por se arrepender e pedir perdão. 

Créditos a: "Jaime Neves, Homem de Guerra e Boémio" da autoria de Rui Azevedo Teixeira, editado pela Bertrand 

domingo, 12 de novembro de 2023

A Ética Republicana em Portugal

  

A Ética Republicana em Portugal


Pela noite dentro a camioneta pára junto à porta de Machado Santos, na rua José Estêvão. D. Beatriz, a mulher do almirante, foi intimada a abri-la. Rebentando com a fechadura a tiro, os intrusos perguntaram-lhe pelo marido. Queriam levá-lo à presença de Procópio de Freitas que lhe queria falar.


No interior, de pistola em punho, António, o filho do almirante estava pronto a resistir. Este, confiante na sua patente e no prestígio que granjeara, dissuadiu-o. Nada demoveu os intrusos. Abel Olímpio o tenebroso cabo que chefiava a brigada homicida, manteve-se inflexível, ignorando o pedido de garantia de regresso em segurança do detido.


Idealista, insatisfeito e intransigente, Machado Santos, a quem os republicanas deviam a vitória no 5 de Outubro, era um homem marcado. Os democráticos não lhe perdoaram as críticas ao governo, o apoio ao ditador Pimenta de Castro, o envolvimento no 13 de Dezembro de 1916 ( Revolta de Tomar, contra a entrada da IGM), e o 5 de Dezembro de 1917 em que alinhara ao lado de Sidónio contra o governo de Afonso Costa.


Traidor para os democráticos é odiado marinheiros, que não lhe perdoaram a humilhação da revista militar na rotunda ao lado de Sidónio. Incorruptível, patriota, Machado Santos, quando governante, fora implacável com especuladores e açambarcadores.


A pensão que lhe fora atribuída pelo congresso e a inveja que suscitava tornaram-no alvo de sucessivas acusações avulso com o propósito de destruição da sua imagem pública. Chegara a hora do desejado desfecho, do assassínio físico.


O relógio de parede batia a uma e meia. Perante o desespero de D. Beatriz, o cínico Olímpio assegurava o regresso do detido em segurança após rápida visita ao Arsenal. Porém, ignorou o pedido de palavra de honra.


Vestido à civil, o herói do 5 de Outubro seguiu na camioneta com os seus algozes. Num side-car, os redatores do “Imprensa da Manhã” acompanhavam-nos, e confraternizavam alegremente com os assassinos, eufóricos com a oportunidade jornalística.


Desceram pela Almirante Reis e pararam no Intendente, por avaria. Augusto Gomes, empresário teatral, foi mandado parar, tendo-lhe sido requisitada a viatura para “transportar um cadáver ao necrotério”.


Ao ver Machado Santos, o empresário percebeu o que se passava. Pediu para não matarem o almirante.


Dos doze marinheiros da comitiva, oito “valentes” dispararam sobre o herói do 5 de Outubro.


Porém, não seria a última vítima mortal da “ética republicana”, uma ficção criada por quem tem a consciência pesada.


Créditos a “Nobre Povo; os anos da República”, de Jaime Nogueira Pinto



Machado Santos